terça-feira, 3 de abril de 2012

O "jeitinho brasileiro"

Sérgio Buarque de Holanda, no livro "Raízes do Brasil", publicado em 1936, foi um dos primeiros a analisar a formação cultural do brasileiro. "O Estado não é uma ampliação familiar"_ afirma em uma das frases de sua obra."O homem cordial" foi a expressão usada para referir-se à nossa despreocupação com a ética. Embora a cordialidade é vista como algo positivo, ele a definiu como negativa e isso gerou várias discussões, mas o que o autor pretendia era descrever que a cordialidade, literalmente, é um ato cometido pela emoção e que se opõe à razão. Ocorre no círculo familiar e de amizade e se estende a outros âmbitos sociais.
Essa característica que foi incrustada no dna da nossa sociedade e que foi cunhada como "jeitinho brasileiro" é responsável pelo cenário atual do país. Herança de nossos colonizadores, intensificada pela mistura de culturas, a informalidade tornou-se algo comum para nós brasileiros. Somos avessos à disciplina, não respeitamos regras sociais e não acreditamos nas instituições, porque as mesmas são compostas por nós mesmos.


A emoção e a razão caminham por vias paralelas, dificilmente elas se cruzam. O apelo emocional para resolver qualquer tipo de assunto é inerente à nossa cultura. Somos permissivos e condescendentes com os que sabem nos tocar o coração, e não é muito difícil, porque somos ilustramente cordiais. E isso quase sempre viola a razão.
A corrupção é apenas uma consequência desse comportamento. Estamos acostumados a dar um jeitinho em tudo, inclusive isso é altamente cultuado pela gente. O que leva vantagem, o malandro, o esperto, o que burla as leis para benefício próprio é visto com simpatia.
Há muitos alienados defendendo partidos políticos e outros  institutos como se os mesmos não fossem formados por pessoas. Essa paixão é outra manifestação de cordialidade. Não conseguimos ser imparciais o suficiente na hora de defender ou acusar. Normalmente fazemos pela emoção, ignoramos as regras básicas de uma sociedade democrática, porque na verdade nós ainda não as conhecemos.
Toda unanimidade é burra assim como toda generalização. É claro que existe uma parcela da sociedade brasileira que realmente se preocupa com a honestidade e reconhece que o caos perpetuado no país é fruto da conivência com a corrupção. Mas a maior parte desse grupo se limita em expressar apenas com palavras essa indignação. Na verdade, esse descontentamento é tão verdadeiro quanto à forma quadrada do sol. Não nos indignamos o suficiente, na verdade pequenos atos desonestos não são tão terríveis sob a nossa visão. Fomos construídos desta maneira.
O "cafezinho" para o guarda de trânsito não aplicar uma multa. Furar fila. Não devolver o troco demais recebido no caixa do supermercado. O voto no vereador que nos dará um bom emprego. Comprar atestado médico. Consumir produtos roubados. São pequenos gestos que fazem parte do cotidiano do brasileiro comum e que reflete em alta escala, o fisiologismo na classe política. Podemos dizer que no Brasil "a ocasião faz o ladrão" sem medo de ser injustos.
A impunidade pelos crimes cometidos. Afinal os que deveriam punir estão igualmente comprometidos. É só esperar outro "escândalo" aparecer para que o anterior acabe sendo esquecido e assim todo mundo fica em paz. O "jeitinho brasileiro" está presente em tudo. É tudo feito "nas coxas".
Enquanto a nossa mentalidade não mudar, continuaremos driblando dia a dia, as adversidades consequentes dos nossos feitos como forma de sobrevivência, e qualquer passo fora da lei estará sempre justificado no nosso juízo. Afinal, somos inimigos de nós mesmos.
Para mudar o rumo do Brasil é fundamental uma reflexão de autocrítica. O modelo democrático é o ideal para qualquer sociedade, pois garante o direito de igualdade a todos,  sem "jeitinho brasileiro". Para defender esse sistema é imprescindível fortalecer os valores básicos de civismo no cidadão comum. O nosso país tem todos os recursos necessários para ser uma grande nação. Romper com a tradição da malandragem parece utópico. Mas como diz o escritor uruguaio, Eduardo Galeano, "a utopia estará sempre fora do nosso alcance, mas ela serve para a gente continuar caminhando..."
Nós brasileiros, somos extremamentes generosos de coração e primitivos na razão. Devemos procurar um equilíbrio saudável para salvar-nos de nós mesmos.

Um comentário:

DIRCEU CATECK disse...

Recebi comentários de alguns amigos que acharam que minhas palavras foram duras. A minha intenção neste texto não é desmerecer o povo brasileiro e muito menos julgá-lo. Sou cidadão brasileiro e considero a autocrítica e a reflexão sobre o nosso comportamento, fundamental para extirpar determinados vícios que só fazem mal para nós mesmos. Esse orgulho patriota não acrecenta nada, é vão. Enquanto não olharmos nossos problemas de maneira imparcial, sem paixões políticas, continuaremos repetindo os mesmos erros.